Thales
Olympio Góes de Azevedo nasceu a 26 agosto de 1904,
na Rua do Hospício - hoje Rua Democrata - em continuação
ao Largo 2 de Julho - em Salvador, e faleceu em 5 de agosto
de 1995. Filho mais velho do Farmacêutico Ormindo
Olympio Pinto de Azevedo, fundador da antiga Farmácia
Piedade, na Praça da Piedade - esquina da Rua da
Forca, e da Profa. Laurinda Góes de Azevedo, teve
quatro irmãos - Helena, Noélia e Renato Góes
de Azevedo, além de Elvira, esta falecida com dias
de nascida - vindo de uma família com longa tradição
nas profissões de nível superior. Casou-se
com Mariá Freitas David, diplomada em piano, também
de família baiana, com vários profissionais
liberais e oficiais do Exército, inclusive seu pai,
médico que serviu no Alegrete, Rio Grande do Sul,
onde ela nasceu.
Thales de Azevedo estudou no Colégio dos Jesuítas
- o Antônio Vieira (1914/19), ligando-se ao grupo
de jovens liderados pelo Pe. Luiz Gonzaga Cabral, do qual
participaram, entre outros, Anísio Teixeira, Herbert
Fortes, Otacílio Lopes, Francisco Mangabeira Albernaz,
José de Faria Góes Sobrinho, Joaquim Araújo
Lima, Carlos Cohim Ribeiro, Hélio Simões,
Berilo Neves, Augusto Alexandre Machado, Antônio Bulcão,
Jayme Cerqueira Lima. Concluído o curso secundário,
trabalhou por três anos (março de 1919/março
de 1922) nos escritórios da Casa Tude (Tude, Irmão
e Cia), firma de Plínio, seu padrinho de batismo,
e Eudoro Tude. Aí viria a conhecer, como seu supervisor,
Frederico Edelweiss, mais tarde professor da Universidade
Federal da Bahia. Edelweiss o apoia na decisão de
fazer o curso superior e o influência em seu interesse
por estudos de etnologia e história.
Forma-se pela Faculdade de Medicina da Bahia (1922/27),
recebendo distinção pela tese inaugural Fibromyomas
do útero: notas e estatísticas na Bahia, aprovada
em 23 de dezembro de 1927. Essa turma de médicos
diplomados em 27 de dezembro daquele ano notabilizar-se-ia
pelo constante convívio entre alguns de seus membros,
sob a designação de Núcleo de 27, e
pelo destaque alcançado por vários deles.
Dela também participaram, dentre outros, José
Silveira, Alício Peltier de Queiroz, Antônio
Simões, Bráulio Xavier Filho, Hosanah Oliveira,
Luiz Rogério de Souza, Malhias Bittencourt, Manoel
Jerônimo Ferreira, José Moreira Pinto, Jayme
Saldanha, Raymundo Gouveia, Luiz Passos, Guedes de Melo,
Eládio Lassere, Emanuel Motta, Flaviano Marques,
Diógenes Vinhaes, José Barbosa Negrinho, Vivaldo
Palma Lima que se radicou na Amazônia e Otacílio
Lopes que se tornaria respeitado clínico em Campinas,
São Paulo.
Médico e professor, como costumava se identificar,
Thales de Azevedo foi também homem de imprensa e
começou a escrever, ainda estudante de medicina,
em um jornalsinho diocesano de Ilhéus e para as seções
de estudo do Círculo Católico de Estudos da
Mocidade Acadêmica do Pe. Cabral. Foi revisor do Diário
Oficial da Bahia, onde aprendeu com Arthur Arésio
da Fonseca as notações usadas na revisão
tipográfica e teve por companheiros Jayme Junqueira
Ayres e Adalício Nogueira, então estudantes
de Direito. Pouco depois transferiu-se para o Diário
da Bahia (1925), onde trabalhou com Henrique Câncio,
que logo o promoveu de revisor a noticiarista. Entra em
seguida para A Tarde, onde é encorajado por Ernesto
Simões Filho a escrever e convive com Aloysio de
Carvalho - Lulú Parola, Antônio Marques Pinto,
Aristoteles Gomes, Tadeu Santos, Jerônimo Sodré
Vianna - Jesovi, Epaminondas Berbert de Castro, Wenceslau
Galo, Gilberto Valente, Luiz Viana Filho, José Valladares.
Para esse jornal, escreveu por mais de 60 anos, durante
os quais acompanhou com admiração, além
de Henrique Câncio, a direção sucessiva
de três respeitados redatores-chefes - Armando de
Campos, Ranulfo Oliveira e Jorge Calmon, este desde 1949.
Começara sem regularidade, mas acabou tornando-se
um articulista de produção semanal até
a semana de sua morte. Em 1975, com a reorganização
do jornal, Simões Filho o incluíra entre os
seis colaboradores permanentes de A Tarde. Na década
de 40, ele mesmo dirigira a Semana Católica, órgão
local do que viria a ser a Ação Católica
Brasileira, e desde 1938 fora membro da Associação
Bahiana de Imprensa.
Na Faculdade de Medicina, foi interno da Cadeira da Clínica
Ginecológica do Prof. José Adeodato de Souza,
na Enfermaria Santa Marta do Hospital Santa Isabel da Santa
Casa de Misericórdia da Bahia (1926), e do Ambulatório
de Ginecologia do mesmo hospital (1927), experiência
da qual derivou a tese supramencionada.
Sua primeira tarefa como médico, identidade profissional
mantida por mais de 40 anos (1927/68) e acumulada, a partir
de 1943, com a de professor universitário, foi em
comissão pela Secretária de Educação,
Saúde e Assistência do Estado da Bahia, no
primeiro semestre de 1928, em campanha de combate à
peste bubônica no Município de Itambé.
Em seguida, clinica em Castro Alves, Bahia (1929/1933),
onde convive com o clínico local Rafael Jambeiro.
Publicaria mais tarde um romance, narrando aspectos das
lutas políticas na região - Foi Deus não
acontecer nada (1984). Ali foi também verificador
de óbitos credenciado pelo Serviço de Febre
Amarela (1929/32) e Inspetor Estadual de Ensino (1930) nos
municípios de Castro Alves e de São Félix,
designado pelo Eng. Archimedes Pereira Guimarães.
Nesse período fez o seu primeiro curso de aperfeiçoamento
- em Aparelho Digestivo e Tuberculose - na 2a Cadeira de
Clínica Médica da Faculdade de Medicina da
Universidade do Brasil, hoje Universidade Federal do Rio
de Janeiro, com o Prof. Clementino Fraga (1931).
Deixa Castro Alves no início de 1933 e começa
a clinicar em Salvador (1933/43), onde passa por uma serie
de curtos empregos até seu ingresso na Secretaria
de Educação, Saúde e Assistência.
Ensina Inglês no Colégio Nossa Senhora da Vitória
(Maristas) (1933) e História Natural no Colégio
Antônio Vieira. Nessa fase inicial, faz estágio
de cinco meses (1933/34) na Clínica da Cadeira de
Dermatologia e Sifilografia do Prof. Eduardo Rabello, da
Faculdade de Medicina da Universidade do Brasil, onde obtêm
o certificado de Assistente. Em 1934 torna-se o primeiro
médico do Instituto de Aposentadoria e Pensões
dos Marítimos, Delegacia da Bahia (1934/38), quando
era Delegado Estadual o Eng. Oswaldo Augusto da Silva, e
em 1936 faz-se médico auxiliar do Serviço
de Peste na Bahia, na 5a Delegacia Federal de Saúde.
Trabalha também como Assistente da Cadeira de Zoologia
e Botânica (1936) do curso de Farmácia, então
anexo à Faculdade de Medicina, tendo por catedrático
o Prof. Alexandre Leal Costa, e como Assistente extra-numerário
da Cadeira de Parasitologia (1937) do curso de Medicina,
tendo por catedrático o Prof. Antônio Luiz
Cavalcanti de Albuquerque de Barros Barreto, com quem divide
consultório, na Avenida 7 de Setembro - trecho de
S. Pedro.
Inicia sua carreira de funcionário público
como Diretor da Secretaria do Conselho de Assistência
Social da Secretaria de Educação, Saúde
e Assistência Pública. Mas com Isaias Alves
como secretário, obtém sua transferência
para o Gabinete, de onde solicita sua reclassificação
para o quadro do Departamento de Saúde Pública,
o correspondente à atual Secretaria de Saúde
(1938/68), tornando-se médico sanitarista. Foi médico
do 1o Centro de Saúde na Vitória e do 3o Centro
na Calçada, analista do Instituto Oswaldo Cruz, assistente
do Secretário Dr. Eduardo Mamede (1938/1940), médico
da Inspetoria de Propaganda e Educação Sanitária,
chefe da Seção de Higiene da Alimentação
(1947/1949) e assistente do Chefe do Departamento de Saúde.
Além de Eduardo Mamede, trabalhou na Saúde
Publica com Cezar de Araujo, José Maria de Magalhães
Neto e Álvaro Bahia. No começo desse período
foi nomeado em comissão para fazer o Curso de Extensão
sobre Alimentação e Nutrição
(1940) dirigido por Josué de Castro na Universidade
do Brasil, de quem se tornara amigo.
PROFESSOR E PESQUISADOR
Enquanto professor universitário, além de
sua passagem pela Faculdade de Medicina da Bahia, como assistente
dos cursos de Farmácia e Medicina (1936/37), em 1942/43
lidera a criação da Escola de Serviço
Social da Bahia (1944), unidade pioneira da Universidade
Católica do Salvador, onde colaborou como professor
até 1967, tendo sido seu diretor entre 1944/54. Conta
aí com a colaboração de Dahyl Teixeira
dos Reis, Marfisa Simões de Araújo, Mons.
Eugênio Veiga, Orlando Bahia Monteiro, Álvaro
Bahia, Graziela Cerqueira Baggi, José M. da Costa
Vargens, Magno Valente, Agenor R. Almeida, José Newton
Alves de Souza, Airton Bessa Cirino, Pe. Antônio Monteiro,
Tomás de Araújo Correa e a participação
de Tolstoi de Paula Ferreira, Ruth Silveira e Célia
de Paula Ferreira - estes, vindos de São Paulo para
a implantação da escola.
Mas os marcos decisivos de sua dedicação ao
ensino e à pesquisa foram o convite de Isaias Alves
para integrar o corpo docente da Faculdade de Filosofia,
Ciências e Letras, criada em 1941, hoje Faculdade
de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal
da Bahia, onde ensinou entre 1943/69, e o convite, em 1943,
por Osvaldo Valente, então diretor do Arquivo Municipal
de Salvador, para escrever o Povoamento da Cidade do Salvador
(1949), um dos trabalhos da série EVOLUÇÃO
HISTÓRICA DA CIDADE DO SALVADOR, comemorativa do
IV Centenário da Cidade (1549-1949).
Devido à sua formação em medicina,
Thales de Azevedo foi encarregado da 1ª Cadeira de
Antropologia e Etnografia do Brasil da Faculdade de Filosofia,
cuja matéria integrava-se aos currículos de
Geografia e História e de Ciências Sociais.
Nela, ele deveria cobrir temas de antropologia física
ou biológica, mas enviesaria progressivamente para
assuntos de antropologia social. Por sua vez, a preparação
e o êxito da obra Povoamento da Cidade do Salvador,
que se dão nesses anos iniciais de ensino na Faculdade,
significariam um salto definitivo em sua vida profissional,
tornando-o um autor respeitado nacionalmente.
Outros de seus trabalhos foram premiados, porém Povoamento
o foi por três vezes. A primeira foi com o grande
prêmio criado pela Companhia de Seguros Aliança
da Bahia, em comemoração do IV Centenário
da Cidade do Salvador, para a melhor obra, inédita
ou não, sobre a Bahia. Concorreram ao Prêmio
Literário Aliança da Bahia (1950), além
de Povoamento da Cidade do Salvador, onze outros trabalhos
de história - de Antônio Loureiro de Souza,
Arnold Wildberger, Marieta Alves, Eduardo Tourinho, Belmiro
Valverde, Humberto Bastos, J. F. de Almeida Prado, Pedro
Calmon (dois trabalhos), Edgard de Cerqueira Falcão
e Afonso Rui, além de três obras de literatura
- de Wilson W. Rodrigues, A. Soares de Azevedo e Mário
Brandão Torres. A comissão julgadora, composta
por Octávio Mangabeira (presidente), Lúcia
Miguel Pereira (relatora), Augusto Frederico Schmidt, Alceu
Amoroso Lima e Anísio Teixeira, selecionou inicialmente
quatro trabalhos "que sobrepujaram sem a menor dúvida
os demais"- História da Literatura Bahiana e
História da Fundação da Bahia de Pedro
Calmon, A Idade do Ouro da Bahia de J. F. Almeida Prado
e Povoamento, justificando o primeiro lugar para o último
pela importância das pesquisas originais (...) Se
não supera os outros (três) em méritos
literários, tem sobre eles a vantagem de representar
um estudo mais profundo e minucioso em torno de assunto
da maior relevância para o conhecimento da formação
baiana. (Parecer da Comissão, 5 de dezembro de 1950).
O segundo prêmio foi conferido em abril de 1951, pelo
Governo do Estado, o Prêmio Caminhoá (1950),
criado para distinguir "a obra mais destacada do período".
Em seu parecer, a comissão julgadora - formada por
João Américo Praguer Fróis, José
Antônio do Prado Valladares e Alberto Silva - afirma:
O livro do Dr. Thales de Azevedo que tão merecidamente
concorre ao Prêmio Caminhoá constituí,
diga-se de pronto e sem rebouços, um bom livro. Bom
livro por várias razões: pelo plano elevado
com que foi traçado e executado, pelos três
capítulos magníficos em que está desdobrado,
pela erudição que ressuma de suas citações,
pela lógica que transnuda dos seus conceitos, pela
honestidade que surde das suas conclusões, pelo volume
de pesquisas beneditinas que valorizam as suas notas. Bom
livro enfim, pelo estudo sociológico e antropológico
profundo, erudito, espraiado pelos seus três capítulos,
ponto alto do trabalho e razão do seu grande mérito.
(Parecer da Comissão, abril de 1951). Finalmente,
no mesmo ano, Povoamento da Cidade do Salvador recebeu o
Prêmio Cultural de Interpretação do
Brasil e Portugal Larragoiti Junior, da Academia Brasileira
de Letras.
Nesse mesmo período, a partir de 1949, trabalhando
com Anísio Teixeira, então Secretário
de Educação e Saúde do Estado, Thales
de Azevedo foi encarregado de dar apoio ao PROGRAMA DE PESQUISAS
SOCIAIS ESTADO DA BAHIA - COLUMBIA UNIVERSITY (1950/53),
de que logo em seguida tornou-se coordenador, ao lado de
Charles Wagley - Universidade de Columbia - e inicialmente
também de Luiz de Aguiar Costa Pinto - Universidade
do Brasil, (1950/51) acompanhando seus desdobramentos em
vários estágios posteriores de treinamento
e orientação de estudantes americanos em estágio
na Bahia, ainda por mais de duas décadas.
Como um dos fundadores e membro do seu Conselho Diretor,
várias vezes presidente, vice-presidente e secretário
geral, da Fundação para o Desenvolvimento
da Ciência na Bahia (1950/68), criada por A. Teixeira,
Thales de Azevedo teve um papel decisivo no apoio a projetos
de pesquisa e na concessão de bolsas de estudo a
pesquisadores. Em 1955/1956, voltou ao ensino em medicina,
tornando-se Professor Conferencista da Escola Bahiana de
Medicina e Saúde Pública. Em seguida, quando
primeiro dos pro-reitores da Universidade Federal da Bahia,
na qualidade de diretor do Departamento Cultural (1960/62),
abriu a discussão, entre o corpo docente, sobre a
reforma universitária, retomada quando diretor da
Faculdade de Filosofia em 1964/68. Foi um dos fundadores
e primeiro diretor (1962/64) do INSTITUTO DE CIÊNCIAS
SOCIAIS, uma aspiração vinda de 1955/56, quando
tentou articular a formação de um Centro de
Pesquisas Sociais na Faculdade de Filosofia. Apesar de ter
sido o primeiro dos novos institutos básicos criados
na Universidade da Bahia associando pesquisa e ensino e
promovendo os primeiros cursos de pós-graduação
em ciências sociais fora do Rio de Janeiro e São
Paulo, por razões políticas o instituto sofreu
intervenção do Exército, no início
de 1965, e teve seus arquivos totalmente destruídos
e esfacelada sua biblioteca, vindo finalmente a ser extinto
no final da década de 60. Nesse intervalo, Thales
de Azevedo - que deixara sua direção para
dirigir a F. de Filosofia - escreveria vários textos
sobre ensino superior e reforma universitária.
CICLOS TEMÁTICOS DO TRABALHO DE THALES DE AZEVEDO
Embora se tenha ocupado de um espectro muito amplo de assuntos,
Thales de Azevedo desenvolveu alguns longos ciclos de pesquisa,
em que se destacam os temas medicina, história social,
relações raciais, imigração/aculturação,
catolicismo popular, relações Estado-Igreja,
caráter nacional/ ideologia, cotidiano. Antes da
formatura, já havia escrito dois textos de etnografia
histórica ligados à medicina. Formado, torna-se
uma presença ativa em revistas médicas, como
Brasil Médico (Rio de Janeiro), Mundo Médico
(Rio de Janeiro), The Journal of the American Medical Association
(Chicago) , Anais da Sociedade de Medicina da Bahia (Salvador),
Pediatria Prática (São Paulo), Pediatria e
Puericultura (Salvador), Hora Médica (Rio de Janeiro),
Arquivos Brasileiros de Nutrição (Rio de Janeiro),
Revista Médica Brasileira(Rio de Janeiro), Anais
da Sociedade Brasileira de Dermatologia e Sifilografia (Rio
de Janeiro), Revista Brasileira de Medicina, Bahia Médica
(Salvador) e publica mais de trinta artigos em medicina
até 1950. Mas inclina-se progressivamente para as
ciências sociais. Já em 1941, um artigo seu
- "O rancho de gaúchos brasileiros e uruguaios"
(Boletim de Educação e Saúde, Salvador,
v. 2, n. 1, p. 30-33. Jun. 1941) - seria recebido por Gilberto
Freyre com a afirmação de que... todos os
que vêm acompanhando as notas já publicadas
pelo Sr. Thales de Azevedo sinceramente desejam que resulte
um livro. Pois não será improvisado ou escrito
só pela vontade de publicar coisas que pareçam
sociologia ou ciência social. Será um livro
que de fato reunirá esclarecimentos valiosos sobre
aspectos ainda pouco estudados da formação
social do Rio Grande do Sul. (Correio da Manhã, Rio,
15 dez. 1941).
O ciclo de trabalhos em historiografia teve seu marco mais
expressivo em Povoamento. Convidado para escrever uma história
demográfica da Cidade do Salvador, produz, "com
o Povoamento da Cidade do Salvador, um trabalho de história
social", como reconhece João Reis ( Revista
da Bahia, Salvador, vol. 32, n.20, dez. 1995, p.20), distante
da história narrativa factual . Marisa Correa, antropóloga
e professora da Universidade de Campinas, chama ainda a
atenção de que Thales de Azevedo é
um dos poucos antropólogos brasileiros que emprestou
força à relação - tão
moderna nos anos oitenta deste século - entre antropologia
e história. (Saudação, UFBA, dez. 93).
Além da edição original pela Prefeitura
de Salvador, 1949 (415p.), Povoamento teria duas reedições:
Cia. Editora Nacional, Rio de Janeiro, 1955, vol. 281 da
Série Brasiliana (504p.), edição proposta
por Anísio Teixeira; e Itapoã, Salvador, 1969
(428p.) edição proposta a Demerval Chaves
por Luiz Henrique Dias Tavares. Na mesma linha o autor escreveria,
anos mais tarde, em colaboração com E. V.
Lins, uma das raras monografias brasileiras sobre a história
de uma instituição financeira - História
do Banco da Bahia - 1858/1958 (1969), bem como vários
outros textos que aprofundam questões históricas,
sobretudo sobre a colonização italiana no
Rio Grande do Sul, a história eclesiástica
e as relações Estado-Igreja no Brasil.
Thales de Azevedo dedicou anos de trabalho ao Rio Grande
do Sul e sobretudo à imigração/aculturação
de italianos. Desde 1941, depois de uma primeira viagem
a passeio, começou a escrever sobre o Rio Grande,
reunindo esses primeiros textos em Gaúchos (1943),
e culmina com o premiado Italianos e gaúchos: os
anos pioneiros da colonização italiana no
Rio Grande do Sul (1975 e 1982, 2ª ed.), Primeiro Prêmio
no Certame de Letras Biênio da Colonização
e Imigração, Governo do Estado do Rio Grande
do Sul, 1975. Por extensão, estuda os italianos na
Bahia - v. Italianos na Bahia e outros temas (1989) - e
escreve um conto-memória, A Filha do Alferes: nas
redondezas das Guerras do Sul (1993), inspirado nas conversas
da avó Adele sobre o pampa e a Guerra do Paraguai.
As sistemáticas notas de campo sobre os italianos
no Rio Grande seriam publicadas pela U. de Caxias do Sul,
como Os italianos no Rio Grande do Sul: cadernos de pesquisa
(1994), um raro volume no gênero entre as publicações
brasileiras e fonte inestimável para o aprofundamento
do estudo do Rio Grande e de problemas de imigração
e aculturação. Essa publicação
deveu-se ao empenho dos Profs. Cleodes Piazza Ribeiro e
José Clemente Posenato, do ECIRS - Programa Elementos
Culturais das Colônias Italianas do Rio Grande do
Sul, daquela universidade.
Outro ciclo de trabalho teve como foco o catolicismo no
Brasil, uma série de trabalhos pioneiros, iniciados
com "Catholicism in Brazil: a personal evaluation"
(1953). Além dos ensaios sobre o catolicismo popular,
em 1959 publica "Aculturação dirigida:
notas sobre a catequese indígena no período
colonial brasileiro", apontando a catequese como um
processo de imposição cultural. Este ciclo
inclui também aspectos das relações
Estado-Igreja no Brasil, inclusive o premiado Igreja e Estado
em tensão e crise: a conquista espiritual e o padroado
na Bahia (1978), e culmina com A guerra aos párocos:
episódios anti-clericais na Bahia (1991).
Na década de 50, integra-se à rede de pesquisadores
sobre as relações inter-étnicas no
Brasil. A recusa do preconceito racial tivera um antecedente
inicial no artigo "Raças humanas superiores
e raças inferiores" (1931), mais tarde retomada
en passant em Povoamento e em Civilização
e mestiçagem (1951). Mas o ciclo de estudos de relações
raciais tem seu marco decisivo no trabalho para a UNESCO,
Les élites de couleur dans une ville brésilienne,
UNESCO, Paris (1953), editado em português como o
vol. 282 da Série Brasiliana da Cia. Editora Nacional
(1955) e mais recentemente pela U. F. da Bahia (1996).
Com interesse nos estudos de caráter nacional, Thales
de Azevedo escreveu, sobretudo a partir da década
de 70, vários ensaios sobre o tema, como os reunidos
em Os brasileiros: estudos de caráter nacional (1981)
e fez uma análise da ideologia da segurança
nacional dos anos 60/70, expressa em artigos que viriam
a ser publicados em A religião civil brasileira:
um instrumento político (1981).
Já desde Povoamento o autor é atraído
por temas do cotidiano, a exemplo da mancebia, da prostituição,
da vadiagem, da alimentação, dos temperos,
do sal, dos talheres, do sabão, dos jejuns, dos vomitórios,
da morte. Essa vertente expressar-se-ia mais tarde em textos
como "Família, casamento e divórcio"
(1960, 1961, 1965), Namoro à antiga (1970, 1975 e
1986), "Linchamentos no Brasil"(1974), "A
francesia baiana de antanho" (1985), Ciclos da vida;
ritos e ritmos (1987), A praia; espaço de socialidade
(1988), Pragas e chagas na poesia et coetera (1992), "Um
sorriso do lagarto: preocupações bio-éticas
de João Ubaldo Ribeiro" (1991), entre outros.
Thales de Azevedo publicou, na área das ciências
sociais, em vários periódicos nacionais e
estrangeiros, como a Revista do Arquivo Municipal (São
Paulo), o Boletim do Museu Nacional (Rio de Janeiro), a
Revista do Museu Paulista (São Paulo), Sociologia
(São Paulo), Verbum (Rio de Janeiro), Le Courier
(UNESCO, Paris), Thought: Fordham University Quarterly (New
York), América Indígena (México), Anhropological
Quarterly (Washington), Journal of Inter-American Studies
(Gainsville, USA), The Furrow (Maynooth, Irlanda), American
Anthropologist (Menasha, USA), Revista de Cultura Vozes
(Petrópoles), Revista de História (São
Paulo), Man (Londres), Cadernos Brasileiros (Rio de Janeiro),
Universitas (Salvador: UFBA), Internationales Jahrbuchuer
Religion - Sociologie (Munster, Alemanha), Revista Brasileira
de Psiquiatria (São Paulo), America Latina (Rio de
Janeiro), Revista de Cultura da Bahia (Salvador), Ciência
e Cultura (São Paulo), Revista da Academia de Letras
da Bahia (Salvador), Revista do Instituto Geográfico
e Histórico (Salvador), Planejamento (Salvador),
Cachiers du Monde Hispanique et Luzo-Brésilien Caravelle
(São Paulo), Revista do Instituto de Estudos Brasileiros
(São Paulo), Archives des Sciences Sociales des Religions
(Paris), Religião e Sociedade (Rio de Janeiro), Mensário
do Arquivo Nacional (Rio de Janeiro), Revista de Antropologia
(São Paulo), Anuário Antropológico
(Fortaleza), Revista da Academia Rio-Grandense de Letras
(Porto Alegre), Revista da Bahia (Salvador).
ATUALIDADE E VIGÊNCIA NA COMUNIDADE CIENTÍFICA
E CULTURAL
Embora vivendo fora de centros maiores de intercâmbio,
Thales de Azevedo desde cedo acompanhou a literatura científica
em suas áreas de interesse. Ainda sem contato com
o ensino universitário em ciências sociais,
começa a escrever, como vimos, já no ano da
formatura em Medicina (1927), sobre temas de etnografia
histórica, baseado em viajantes e etnográficos
nacionais e estrangeiros, mediante o acesso à biblioteca
do amigo, e futuro colega na Universidade da Bahia, Frederico
Edelweiss. Como em "Raças humanas superiores
e raças inferiores" (1931), esses primeiros
escritos já revelam familiaridade com a bibliografia
científica da época. Por sua vez, a bibliografia
de Povoamento, trabalho elaborado entre 1943/48, já
em sua primeira edição, revela a familiaridade
do autor com fontes contemporâneas em ciências
sociais, como Herbert Baldus, Roger Bastide, Ruth Benedict,
Franz Boas, Gilberto Freyre, Alexander Goldenweiser, M.
Halbwachs, Melville Herskovits, Sérgio Buarque de
Holanda, Kurt Levin, Robert Lowie, Emílio Willems,
Margaret Mead, Lúcio Mendieta y Nunes, Alfred Metraux,
Robert Park, Roberto Simonsen, Arthur Ramos, Paul Rivet,
Nelson Werneck Sodré, um elenco em grande parte inédito
na historiografia baiana e mesmo brasileira.
Outro exemplo liga-se ao empenho em criar um novo modo de
ensinar, particularmente em firmar a antropologia na Bahia.
No texto da aula inaugural da Faculdade de Filosofia, em
1951 - "Cultural e biológico em antropologia",
publicado em Civilização e mestiçagem
(1951), Thales de Azevedo justifica sua posição
não reducionista, com referencias a dezenas de fontes,
incluindo teóricos estrangeiros e cronistas e clássicos
da ensaística e da historiografia brasileira. O mesmo
padrão repete-se a cada novo tema, de tal maneira
que o registro dessas fontes permite a reconstrução
de vários aspectos da formação dos
esquemas conceituais da sociologia e da antropologia no
Brasil durante sua presença por mais de 50 anos em
reuniões e publicações especializadas
nessa área.
Como a pesquisa, o ensino foi uma atividade fundamental
para Thales de Azevedo. Eram aulas meticulosamente preparadas,
desenvolvidas mediante esquemas minuciosos, com indicações
bibliográficas que divergiam da tradição
de ensino na Bahia e na maior parte do país. Mas
ensino e pesquisa estiveram intrinsecamente associados ao
estímulo ao debate e ao constante contato com a comunidade
acadêmica.
Na Faculdade de Filosofia cria, em 1953, o SEMINÁRIO
DE ANTROPOLOGIA, que perdurou com reuniões semanais
até além do meado da década de 60,
e cujas sessões eram sistematicamente anunciadas
em cartões por ele próprio datilografados,
colocados no quadro de aviso do saguão da Faculdade,
e por onde passaram, segundo o registro das suas 100 primeiras
sessões (1953/1959, 1o semestre), G. Herbert Blumer,
Leon Bourdon, Edison Carneiro, Jonh Friedmann, Wilson Martins,
M. Herskovits, Juan Comas, Jean Tricart, Pierre Monbeig,
os professores da própria universidade, Frederico
Edelweiss, José Calasans, Jorge Calmon, Hélio
Simões, Luiz H. Dias Tavares, José Valladares,
J. Wanderley Pinho, Cora Pedreira, e também jovens
pesquisadores como Cláudio Veiga, Dalmo Pontual,
Waldir F. Oliveira, Maria de Azevedo Brandão, Milton
Santos, Maria Isaura Pereira de Queiroz, Teresa Cardoso,
Nilda Guerra de Macedo, Antônio Cabral de Andrade,
e na continuidade, artistas, escritores, outros professores
e profissionais, além de colegas de outros estados
e do exterior. O INSTITUTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS, por
sua vez, manteria a tradição do SEMINÁRIO
DE ANTROPOLOGIA, promovendo, nos três anos de sua
existência antes da intervenção do Exército,
cursos e debates de que participaram J. Medina-Echevarria,
Frank Tannenbaum, Roger Bastide, Caio Prado Jr., Pierre
George, Hélio Jaguaribe, Alain Touraine, Rodolfo
Stavenhagen, Rômulo Almeida, Ignácio Rangel,
e recebendo visitas de Victor Urguidi, F. Henrique Cardoso,
Anísio Teixeira, Marvin Harris, Jorge Ahumada, Gino
Germani, Donald Warren, Gilberto Freyre, Arthur Neiva, José
Midlin, Sergio Bernardes, Anibal Vilela, Richard Graham
e outros.
A atualidade e presença desse médico e pioneiro
em ciências sociais no Brasil expressou-se também
na sua vigência como membro destacado de entidades
científicas e culturais. Como médico, entre
outras associações, pertenceu ao Instituto
Brasileiro de História da Medicina, à Sociedade
Brasileira de Dermatologia e Sifilografia, à Sociedade
Brasileira de Alimentação, à Academia
Brasileira de Ciências Médico-Sociais, ao Conselho
Técnico-Administrativo do IBIT - Instituto Brasileiro
para Investigação da Tuberculose, hoje Fundação
José Silveira, e à Academia de Medicina da
Bahia.
Além da já mencionada participação
na direção da Fundação para
o Desenvolvimento da Ciência na Bahia, foi vice-presidente
e presidente em exercício do Conselho Estadual de
Cultura da Bahia, de que participou desde a fundação
em 1968 até seu falecimento. Membro da Academia de
Letras da Bahia, desde 1962, foi seu presidente em 1969/1970
e foi membro do Conselho Diretor da Fundação
Casa de Jorge Amado. Participou ainda da Academia Brasileira
de História, do Instituto Histórico e Geográfico
Brasileiro, do Instituto Pan-americano de Geografia e História
- México, do Instituto Histórico e Geográfico
de Minas Gerais (correspondente), da Academia Rio-Grandense
de Letras (correspondente), da Sociedade Brasileira de Sociologia,
da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência
e da American Anthropological Association. No Instituto
Geográfico e Histórico da Bahia, apresentado
para sócio em 14 de fevereiro de 1952 por Antônio
Vianna, Wanderley Pinho, Esther Bastos, Francisco da Conceição
Menezes e Durval Bastos e diplomado em 12 de junho de 1952,
foi seu vice-presidente em 1977 e presidente eleito sucessivamente
por cinco biênios, entre 1978/87.
A publicação em revistas especializadas e
a presença em encontros profissionais, inicialmente
em medicina e em seguida em história, desdobrou-se,
sobretudo, na participação ativa na ABA -
Associação Brasileira de Antropologia, desde
antes de sua fundação, já nas reuniões
precursoras de 1951, 1953 e 1955. Em 1951, em Petrópolis,
Thales de Azevedo foi eleito vice-presidente da Mesa Diretora
dirigida por H. Baldus encarregada de organizar o primeiro
encontro sobre a situação e perspectivas do
ensino e da pesquisa em antropologia no Brasil. Dessa reunião
realizada em 1953 no Museu Nacional (Rio de Janeiro), assume
a presidência com a vacância temporária
de Baldus, por força de um problema de saúde
deste. Em 1955 organiza e dirige a primeira reunião
nacional de antropólogos no Brasil, quando se funda
a ABA. A partir daí, participa de todas as reuniões
da associação e, à exceção
do conturbado biênio de 1971/72, integra continuamente
seu conselho científico. Em 1974/76 assume a presidência
e torna-se seu primeiro Presidente de Honra desde 1988.
Ministrou seminários e cursos nas universidades de
Columbia (N. York, outono/inverno de 1952 e outono/inverno
de 1973), Wisconsin (Madison/USA, 1960), Pedro Ruiz Gallo
(Perú), Madrid e Lisboa, além de palestras
em várias universidades brasileiras, no Instituto
Joaquim Nabuco (Recife), na U. Católica da América
(Washington), na Rutgers University (N. Jersey, USA), City
University of NewYork, e nas universidades de Coimbra, Fordham
(N. York), Quebec, Toronto e Laval (Canadá), Louvain
(Bélgica), Paris, Bordeaux, Toulouse e Poitiers (França).
Participou em bancas examinadoras de concursos e doutoramentos
na Columbia University e nas universidades Federal do Rio
de Janeiro, de São Paulo e de Campinas, nos quais
foram examinados cientistas sociais como Marvin Harris,
Octavio Ianni, Fernando Henrique Cardoso, Maria Isaura P.
Queiroz, Florestan Fernandes, João Batista B. Pereira,
Maria Manuela C. Cunha e Sérgio Micelli. E integrou
os conselhos editoriais de várias revistas em ciências
sociais.
O OUTRO THALES
Thales possuía outras habilidades, tendo ensaiado
como autodidata a pintura, a fotografia - o que lhe valeu
inclusive um prêmio da Kodak por tomadas de cena da
cachoeira de Paulo Afonso -, o entalhe em cascas de Cajazeira,
a eletricidade e a ótica com os projetores de diapositivos.
Estava sempre atento às novas tecnológicas,
o que o levou a possuir inúmeros aparelhos, então
inovadores, como gravadores de voz a fio, a fita e o K 7,
filmagem e projeção de cinema e de slide,
máquinas Polaroid, copiadora portável com
papel termofax etc.
Ensinava
aos filhos as técnicas de fotografia, desde a revelação
à impressão das fotos, a confecção
de rádios de Galena, os princípios da física,
notadamente a eletricidade - como se instalava um comando
three way ou um four way, a obtenção de oxigênio
e hidrogênio pela eletrolise da água, a observação
astronômica e muito mais.
Espírito
lúdico, gostava de fazer cineminha com repetidos
desenhos na borda de um bloco de papel, que, ao ser folheado,
dava movimento à imagem ali representada. Certa vez
comprou um pequeno Periscópio para, em meio à
multidão, olhar por cima das pessoas ou por cima
de um muro.
Obstinado
por seus pertences, os quais sempre os guardavas sob máxima
proteção, não gostando de compartilhar
com ninguém, possuía uma faca especial, com
excelente fio, que a utilizava para descascar cana, do seu
próprio quintal, rodeado pelos filhos pequenos. Cortava
roletes com precisão métrica invejável,
e brincava distribuindo os nós entre pedaços
das canas.
Os jornais
ficavam reservados, sem serem folheados até a sua
chegada. Para ele o jornal lido e já manuseado ou
desordenado não tinha o mesmo sabor.
E as
lentes ópticas, que fazia pirogravuras em madeira
com a concentração dos raios solares, ou simplesmente
queimar uma folha seca, o que para nós era fantástico.
Ocupado
como era, ele tinha tempo para tudo, só não
teve tempo para nos ensinar a viver sem ele.